O castigo de Sísifo

Rosângela Trajano

Baseado no mito grego de Sísifo

Sísifo era um menino muito esperto, tão esperto que conseguiu enganar a própria morte. Sabem como? Pois bem, eu vou explicar bem direitinho esta história. Sísifo estava brincando com os pássaros no meio da floresta quando alguém aproximou-se dele:

– Qual o seu nome? – Perguntou a pessoa.

– Meu nome é Sísifo. – Respondeu Sísifo e continuou dando pulos para o alto querendo voar como os pássaros.

– Eu vim lhe buscar. – Disse a pessoa seriamente.

– Me buscar? Ora, ora, ninguém me quer por perto. Dizem que sou um diabinho.

– Chegou a sua hora, menino. Vamos, apronte-se. Eu não posso esperar muito tempo.

– Quem você acha que é para mandar em mim? 

– Eu sou a morte.

Ouvindo aquilo os pássaros voaram, com medo, para detrás das montanhas. Mas, Sísifo nem ligou para a morte. Ele que já tinha aprontado tantas coisas e que se dizia ser um amante da vida, riu da morte na cara dela. Riu tanto que rolou pelo chão. Toda às vezes que parava um pouquinho e olhava para a morte aí é que ele ria mais e mais se encolhendo e se esticando de tanto ri.

– Por que está rindo? – Perguntou a morte roxa de raiva.

Sísifo que era muito esperto teve uma ideia: disse a morte que iria com ela sim, sem pestanejar, mas antes ela teria que brincar com ele de cabra cega. A morte no início não quis, mas depois de tanto Sísifo insistir ela aceitou o convite. Afinal ninguém nunca convidou-a para brincar. Todos tinham horror a ela!

Então, Sísifo colocou uma venda nos olhos da morte, e depois girou-a em círculos várias vezes até deixá-la tonta, coitada. Quando a morte já não aguentava mais com o próprio corpo, Sísifo amarrou-a numa árvore deixando-a muito brava.

– Você vai me pagar por isso, menino.

– Pensou que me levaria, Dona Morte?  É uma pena que não pode me ver. Eu sou Sísifo, o menino mais esperto que a senhora já conheceu.

E lá se foi Sísifo correndo atrás de um porco espinho que estava a brincar no meio do mato. Deixando para trás a morte amarrada numa árvore e de olhos vendados.

Chegando à cidade Sísifo foi direto para a casa do bruxo Zeteu. Sempre que se cansava de brincar e fazer peraltices corria para lá. O bruxo Zeteu tinha um carinho muito grande por Sísifo, apesar de não gostar do que ele fazia com as pessoas. Até Zeteu já tinha sido vítima das peraltices de Sísifo que colocou cola no bico do seu galo.

Porém, o bruxo Zeteu era bonzinho. Ele não fazia mal nem a uma formiga. E guardava os segredos do povo de toda cidade. Foi num desses dias que Sísifo abriu a porta devagarzinho, pois queria pregar um susto no bruxo, mas antes que fizesse qualquer coisa ouviu o rei chorando e se lamentando que a sua filha nas noites de domingo virava uma cobra venenosa. A cobra que estava assombrando a todos na cidade. Sísifo assustou-se ao ouvir aquilo e sem que percebesse bateu num jarro de barro que foi ao chão quebrando-se todo. Pronto! Os dois homens tinham-no visto. Tentou escapar, mas foi pego pelo fundo das calças, pelas mãos enormes do rei.

– Eu não ouvi nada. Deixem-me ir.

– Sísifo. Se você ouviu alguma coisa aqui, prometa-nos que não vai dizer a ninguém. – Disse o bruxo Zeteu.

– Eu não ouvi nada! Mas mesmo assim eu prometo qualquer coisa! Ponha-me no chão.

– Menino se tu disseres a alguém o que ouviste aqui terás tua língua cortada ou coisa pior. – Disse o rei muito zangado.

– Eu prometo! Eu prometo ficar calado! – Sísifo deu um chutão na barriga do rei que imediatamente o colocou no chão.

Seu miserável! Eu vou lhe pegar, você vai ter o que merece. – Disse o rei esfregando a barriga dolorida pelo chute.

Sísifo correu, correu e correu. As suas pernas finas faziam dele um grande corredor. Mas as palavras do rei não silenciaram Sísifo que tão logo encontrou a primeira pessoa já foi logo dizendo o que tinha ouvido. Ao saber que todos na cidade conheciam seu segredo o rei ficou muito bravo e o bruxo Zeteu, também. Naquele mesmo dia, a morte procurou o bruxo Zeteu queria saber onde estava o moleque que tinha amarrado-a na árvore. Logo, o bruxo Zeteu descobriu que o moleque se tratava de Sísifo. Teve pena do menino, pois mais cedo ou mais tarde seria levado pela morte. E foi o que aconteceu.

Sísifo dormia embaixo de uma árvore no meio da floresta quando a morte  aproximou-se, silenciosa. Derrubou um caroço de uma uva na sua cabeça e pronto: Sísifo estava morto para sempre! Uau, mas só um carocinho de uva pode matar alguém? Vocês devem está se perguntando, não é mesmo? Ah! Mas vocês esqueceram do velho ditado que diz “a morte só quer uma desculpa.” Foi o que aconteceu com Sísifo.

Mas, Sísifo morreu e foi para o debaixo da terra, lugar para onde vão as pessoas que fazem mal as outras. E como ele tinha feito muita coisa errada com as pessoas foi diretinho para lá. Acontece que Sísifo não ficou muito tempo embaixo da terra, pois conseguiu enganar o porteiro e roubou as chaves das portas. Ao se ver livre, correu de volta à vida. E quando todos pensavam estarem livres de Sísifo chega ele, de volta, todo sorridente, aprontando das suas mais uma vez.

O bruxo Zeteu que sentia a falta de Sísifo ficou feliz ao revê-lo. Os dias seguiam normalmente. Sísifo não passava um dia sem aprontar uma peraltice: comeu as cocadas de Zezinho e não pagou uma sequer; amarrou no rabo do burro de seu Nicolau um rato e rasgou o livro de mágicas do bruxo Zeteu. Sísifo voltou pior  de debaixo da terra, também pudera, dizem que lá só tem pessoas más.

Porém, Sísifo não contava com a união de todos aqueles a quem ele tinha feito mal e ocorreu o que ele não esperava. O mais poderoso de todos os homens da história daqueles tempos chamado Zeus, decidiu castigá-lo.

Sísifo passeava pelos verdes campos num dia de sol brilhante e céu azulado quando, de repente, o dia virou noite. Começou a relampejar e trovejar.

– Ops! Ninguém me disse que hoje era dia de eclipse. – Disse Sísifo para si mesmo olhando para o céu.

Mas eis que um novo relâmpago ilumina aquele que vem voando num cavalo branco de asas bem grandes. Zeus trazia nas mãos uma lança de ouro. Vestia roupa branca, e usava uma proteção de ferro na cabeça. Sísifo pela primeira vez sentiu medo. Zeus aproximou-se e o suspendeu com a sua lança pelo gogó.

– Não me mate! Por favor, não me mate! – Suplicava Sísifo.

– Bem que merecias a morte, menino. Mas a morte é um castigo pequeno para ti. Pois te darei o que mereces. – Disse Zeus com a voz forte e poderosa.

– O que vai fazer comigo? – Perguntou Sísifo tremendo de medo.

– Terás o que mereces. Ninguém engana a morte. Ninguém foge do purgatório. E ninguém faz mal algum que não pague aqui.

– Hei, eu amo a minha vida! Não me leve embora de novo.

Assim Zeus levou Sísifo para um lugar onde tinha uma montanha e uma pedra, apenas isso. Se Sísifo quisesse fugir cairia num abismo. Daquelas montanhas que a gente olha e não consegue enxergar o seu fim. Então Zeus disse a Sísifo:

– Empurrarás esta pedra montanha acima para o resto da tua vida.

       Sísifo teve vontade de rir de Zeus. Mas, achou melhor ficar em silêncio. Ele, o menino mais levado do mundo, cumprir um castigo daqueles! Quão bobão pareceu Zeus naquele instante aos olhos de Sísifo. Se era para empurrar a pedra até o topo da montanha, aquilo era moleza.

       E assim se passaram dias, anos, décadas, e Sísifo lá empurrando a pedra. Quando parava para descansar a mesma descia montanha abaixo e tinha que começar tudo de novo. Mas Sísifo sabia que um dia conseguiria levar a pedra ao topo da montanha.