Rosângela Trajano
Como vai, menininha
Sabe dizer-me a hora da prece
Estou em ausências inquietas
Vim trazer-lhe cuidados
Não daqueles que a gente faz curativos ou passa pomada
Os meus cuidados são feitos de amor e vontade
Tu, menininha, que ensinaste-me a amar a nariguda pedra
Tu, menininha, que ensinaste-me a cuidar da nascente do rio meu
Eis que o mundo corrompeu minha meiguice
Na horinha de descuido tua eu virei monstro
Assustei gente, assustei-me
Não, não menininha
Jamais julgaria teus gestos
Sei bem de confusões na alma
Parecem guerras com inimigo invisível
Tu que és grandiosa na bondade
Precisas aprender a tirar calos dos sonhos
Quando cuidamos uns dos outros esquecemos que as nossas loucuras são doenças
Aprendamos a pintar paredes com o sangue das nossas mãos
Eis, menininha, que os homens andam apressados demais para se preocuparem com cuidados
Eu que nunca fiz nada além de contemplar as estrelas e voar com os pássaros aprendi a cuidar de quase tudo
Só esqueci-me de deixar a porta encostadinha e nunca fechá-la nas madrugadas solitárias
O guizo, menininha, também vem de um oceano desassossegado
A gente cuida um bocado das coisas sem formas, sem nome, invisíveis…
Cuidemos uns dos outros antes de aprendermos a trocar de estações
A prece é esta poesia