A chuva e as crianças: alegrias e traumas

Rosângela Trajano

As crianças são os amores das nossas vidas, sem elas nada seríamos, mas a infância tem as suas alegrias e traumas no pensar dos pequeninos e nos seus mundos imaginários dependendo de como lhes mostramos as coisas ao nosso redor.

Nos últimos anos, o clima tem sofrido constantes mudanças ao redor do mundo com o desflorestamento e as queimadas. O homem tem devastado o meio ambiente invadindo áreas que antes eram apenas de mata virgem com árvores e plantas lindas. O que o homem faz com a natureza chega a doer na escrita do poeta.

Sendo assim, com essa brusca mudança do clima temos visto muitos desastres naturais ocorrendo no mundo inteiro. Governantes não sabem o que fazer para ajudar seus povos. Ninguém sabe o que fazer, quando a resposta está dentro das nossas palavras transformadas em ações sérias e responsáveis.

O meio ambiente há anos pede socorro e ninguém parece ver isso, apenas quando ocorre um desastre natural é que nos preocupamos com as vítimas dos nossos esquecimentos momentâneos e das nossas responsabilidades para com a natureza.

Não basta somente falar, fazer reuniões e eventos com governantes e responsáveis pelo meio ambiente, não culpo a natureza nem os deuses do Olimpo ou de qualquer outro lugar divino, mas responsabilizo o homem pelo que está acontecendo conosco no mundo inteiro quando vemos nossos irmãos morrendo vítimas de desastres naturais que poderiam ser evitados se tivéssemos políticas públicas sérias para evitar que o homem interfira na natureza com tanta propriedade.

A chuva que sempre foi alegria para as crianças hoje em muitos lugares tornou-se um trauma causando medo nos corações dos pequeninos. Quantas vezes não vi uma criança brincar de tomar banho de chuva, de correr com as mãos para cima para sentir os pingos da chuva caírem na sua cabeça ou de tomar banho numa bica dessas grandes que deixa a água cair na gente com a alegria que só os deuses podem nos proporcionar.

Essa chuva querida e amada pelas criancinhas que era motivo de festa e alegria nos tempos em que o homem respeitava o cordão umbilical da Terra à vida. Lembro-me bem do quanto ficava feliz na minha infância quando via a chuva cair da minha pequena janela e mamãe autorizava que eu fosse tomar um banho de chuva no meio da rua correndo pra cima e pra baixo vivendo como se não tivesse mais um amanhã para mim apenas sentindo a vida na minha criancice chegar e eternizar-se numa primavera de alegrias em tempos de soltar pipa e brincar com as poças de água formadas pela chuva na minha pequena rua onde tudo se transformava em festa no meu mundo imaginário.

Não, meu Deus, não permita que as crianças tenham traumas da chuva e fiquem com medo dela. Não permita, Senhor, que a chuva se torne algo ameaçador a alegria da infância já tão sofrida e dolorida neste mundo de ódio e violências. Que possamos mostrar para as nossas crianças um mundo de bonitezas em que a chuva é um presente que vem de algum lugar mágico e enche rios e alimenta plantas para um bem-viver.

Que toda criança possa ter a lembrança de um banho de chuva com a alegria que eu tive. As suas memórias ao se deitarem sejam belas e gigantescas diante de uma chuva que traz alegrias e sorrisos à infância que desce a ladeira num banho de chuva maravilhoso de deixar toda saudade passar sem ser percebida nos pingos de água que vêm do céu. E que cada criança possa desenhar nuvens escuras com pingos de chuvas caindo em cima das suas cabecinhas com a alegria de estar vivo e presente em meio a um mundo tóxico e cheio de irresponsáveis humanos.

Levemos às crianças do mundo inteiro que sofrem hoje com os desastres das enchentes destruindo seus lares, levando embora seus brinquedos e molhando seus corpos trazendo frio e medo uma forma de mostrar-lhes que a culpa não é da chuva, a chuva não é uma coisa má, mas ela é consequência da irresponsabilidade e negligência das autoridades que só sabem colocar concretos e arrancar árvores mundo a fora.

Que toda criança possa ter a lembrança da chuva como algo bom, algo que vem dos deuses e que traz benefícios grandiosos para o homem que planta milho, feijão, arroz além de toda o planeta Terra que precisa da água da chuva para sobreviver. Sem a chuva não estaríamos aqui neste lugar cheio de homens de paletó e gravata que todos os dias derrubam uma árvore e constroem prédios dentro das florestas.

Precisamos dizer às crianças que a chuva não é culpada por elas terem que ser resgatadas por bombeiros ou voluntários da defesa civil e deixarem todas as suas coisinhas para trás até mesmo os seus animais, quem é culpado de tudo isso é o homem que fala tanto em analfabetismo funcional e esquece do seu analfabetismo ambiental. Devemos e somos responsáveis a mostrarmos para as nossas crianças que a chuva quando vem é para alegrar o planeta Terra, pois sem ela não teríamos vida.

Se nos alegra um pouco e não sabemos como mostrar para as nossas crianças vítimas de enchentes o quanto a chuva é importante para o homem, mostremos-lhes um pouco do sofrimento do sertanejo nordestino que toma sopa de pedra e corre atrás de bichos os mais diversos num chão rachado de tão seco e com suas vacas mortas no quintal de casa porque a chuva não vem, mostremos para as nossas crianças a alegria do sertanejo no inverno e quando a chuva vai enchendo açudes e lagos.

É nosso dever dizermos às crianças vítimas de enchentes que a chuva nunca fará mal a nenhuma delas, que a chuva quando cai é para alimentar plantas e animais, é para não deixar que os homens, as florestas e os bichos morram de sede. A chuva enche os rios e os nossos corações de alegrias e isso as crianças precisam saber.

As crianças não podem e não devem ter traumas da chuva assim como conheço muitas que estão sofrendo ao verem o tempo nublar e lembrarem do que passaram ontem. Não podemos permitir que as crianças tenham recordações de desastres de enchentes, pois a chuva é um presente dos deuses para o homem e sem ela não estaríamos aqui mesmo sendo os causadores das maiores tragédias naturais do planeta Terra.

Digamos às crianças que continuem desenhando nuvens escuras, árvores sorrindo com a chuva caindo e que elas continuem com a alegria de tomar um banho de chuva sempre e sempre, pois o maior responsável pelas memórias eternizadas na alma dos nossos pequeninos somos nós, homens e mulheres imperfeitos que todos os dias matam e destroem um pouco o meio ambiente.

Ademais, peço que os pais e responsáveis nunca coloquem a culpa das enchentes na chuva, pois ela é preciosa e rara em alguns lugares do mundo e muita gente morre com a sua falta. O que acontece, criancinha, meu amor, é que o homem maltrata tanto o planeta que ele chora lágrimas de pedra e faz com que responsabilizemos uma coisa tão linda em uma bruxa do mal. A chuva é uma princesa que vem nos salvar quando as vaquinhas estão morrendo no terreiro de sede e fome. O homem é esse bruxo mal que destrói tudo o que encontra pela frente e é ele o responsável por você ter que sair de casa correndo para não se afogar com a enchente.

Peço aos professores, pais e responsáveis que mostrem para as suas crianças a bondade e grandiosidade da chuva, tirando dela qualquer lembrança maldosa ou sofrida. Em lugares onde o homem já saiu da Idade da Pedra e se tornou um aliado da natureza tomar banho de chuva continua sendo a maior alegria de uma criança e ver a chuva pela primeira vez é coisa para se registrar na memória afetiva de cada coração pequenino. Amemos a chuva!

Para terminar deixo vocês com os versos da canção do nosso amado cantor Tom Jobim onde ele nos diz “É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã/ É um resto de mato na luz da manhã / São as águas de março fechando o verão / É a promessa de vida no teu coração…” Seja março, dezembro ou junho o importante é que a criança reflita e imagine que a chuva é uma promessa de vida no seu coração sempre e sempre, cada vez mais.