Um conto de Rosângela Trajano

Era uma vez uma menina doce como o mel das abelhas, linda como a noite e de cabelos cacheados que escorregavam pelo seu pescoço fino. Gostava de usar sapatos azuis e um vestido amarelo. Não tirava os seus sapatos para nada. Até mesmo dentro de casa andava com eles fazendo ploct, ploct, ploct, ploct no piso e acordando todo o mundo na madrugada que sofria insônia. Estava bem acordada e já passava da meia-noite quando lembrou-se que era sempre na última sexta-feira de novembro que acontecia a Black Friday e aquele não era um dia qualquer, era um dia importante para o comércio e para os consumidores. Foi correndo acordar a mamãe

– Mamãe? Mamãe? Acorde! Amanhã tem Black Friday! Tudo pela metade do preço ou menos! Vamos às compras!

– Filha, ainda acordada uma hora dessas? Que gritaria! Vá dormir se quiser ir à Black Friday! Sabe que precisaremos enfrentar uma fila com muitas pessoas! Vá dormir! Boa noite e Deus te abençoe!

A mamãe estava certa. Tinha gente que até dormia nas portas dos shopping centers e das lojas do comércio de rua só para comprar tudo o que precisavam no dia da Black Friday quando os preços ficavam bem pequeninos. Ela foi dormir e ficou sonhando com o montão de coisas que compraria: televisão, bicicleta, micro-ondas para a vovó, geladeira para a madrinha, fogão novo para a titia e um computador para jogar videogame! Sim, o dinheiro da mamãe daria para comprar tudo porque no dia da Black Friday os preços vão lá pra baixo!

No dia seguinte, a menina acordou bem cedinho! Antes do sol nascer! E já foi logo chamar a mamãe novamente no seu quarto que ainda dormia

– Acorde, mamãe! Temos que ir às compras!

– Já estou indo, filha! Deixe-me dormir só mais 20 minutinhos! Vida de dona de casa é difícil! Eu passo o dia todo varrendo, cozinhando, lavando louças, passando roupas! Espere um pouquinho mais!

A menina teve pena da mamãe e não disse mais nada depois de ouvir tudo aquilo. Ficou sentada na poltrona da sala, balançando as perninhas com a mão no queixo e a outra mudando os canais de televisão só para não ver as promoções da Black Friday que estavam tentadoras. O tempo custou a passar. Aqueles 20 minutos da mamãe pareceram séculos. Ela dormiu por mais umas duas horas. A barriga da menina já pedia comida, mas ela não estava nem aí para a fome, pois só pensava na Black Friday e em fazer muitas compras.

Depois da mamãe preparar o café da manhã, aprontou-se e pegou a sua bolsa com os cartões de créditos e o dinheiro que tinha em casa

– Se faltar a gente faz saque no banco do shopping! Já podemos ir, filha!

– Obaaaaaa! Vamos correndo, mamãe! Quero comprar uma televisão bem grandeeeeeeeee para o meu quarto!

– Hoje você compra o que quiser! Hoje os preços estarão bons de verdade! A Black Friday nunca falha! Vamos logo!

As duas saíram de casa no carro velho vermelho da mamãe que fazia o maior barulho e vez ou outra as deixavam na rua. A menina foi pedindo para naquele dia ele ser bonzinho. O carro ficava doente do nada e precisava ir para o hospital da oficina onde tinha um homem cheio de graxa que sempre dava pirulitos para ela. Ele dizia ser médico de carros e sabia tudo deles.

Quando chegaram no shopping nem onde estacionar tinha mais e a mamãe estacionou três quarteirões distantes e vieram andando a pé. Para entrar no shopping foi nos empurrões de gente apressada e correndo pra lá e pra cá. A mamãe ficou preocupada da menina ser pisoteada por aquela gente toda! Mas era assim mesmo na Black Friday, pois todo o mundo queria comprar tudo por um precinho excelente, mesmo quem nem precisava como elas. No meio de tanta gente, a menina confundiu a sua mãe e pegou na mão de outra mulher subindo as escadas rolantes com ela. Quando a mãe viu aquilo gritou o nome da menina que já ia bem longe!

Numa loja de eletrônicos, a menina brigou com três mulheres por uma televisão de 65 polegadas que estava pela metade do preço! A mamãe e a menina puxava de um lado e as outras mulheres do outro 

– É minha! É minha!, gritava uma mulher.

– Não! É minha! Solta, gente! É minha!, gritava uma moça de cabelos arrepiados.

– Nada disso! É da minha filha e eu não largo por nada!

– Segure, mamãe! A gente pegou primeiro! É nossa!

Foi preciso o vendedor vir acalmar a confusão. Finalmente, a menina ficou com a televisão e as mulheres saíram reclamando. O vendedor disse que por ela ser criança tinha prioridade

– Esta televisão vale a pena ser comprada, senhora! Está com 80% de desconto! Precinho muito especial para a nossa Black Friday!

– Estou vendo que o preço está ótimo mesmo! Vou levá-la!

– Levem mais alguma coisa! A loja está cheia, mas é assim mesmo!

A mãe e a menina compraram mais uma geladeira, um fogão, uma máquina de lavar roupas, um ventilador e um micro-ondas. Entraram em várias lojas com o carrinho de supermercado cheio de coisas dentro. Quase esqueceram do computador da menina, mas ela gritou quando lembrou

– Acabou o dinheiro, filha! Vamos para casa! Compramos na próxima Black Friday!

– Não, mamãe! Compramos hoje! A próxima vai custar!

– Não tenho mais dinheiro, filha! Já fizemos cinco saques no banco, usei todos os meus cartões de créditos!

– Procura aí na sua bolsa se não sobrou nem um centavo, mamãe!

– Sobrou o dinheiro para trocar o óleo do carro! Apenas isso!

– Então, vamos comprar o meu computador com esse dinheiro?

– E o carro? E se ele adoecer, de repente?

– A gente dá um jeito!

A mãe da menina ficou com pena dela e compraram o melhor computador para jogar videogames por um preço de banana. Voltaram para casa todas contentes. Fizeram muitas compras e gastaram pouco em relação aos outros dias. Realmente, a Black Friday era um sucesso de vendas! Valia a pena comprar tudo nela!

Passados alguns dias, a menina estava assistindo a sua televisão de 65 polegadas comprada na Black Friday quando viu uma propaganda de um computador igual ao seu por um preço bem mais baixo do que o que tinha comprado e nem era promoção ou desconto de nada. Depois passou uma geladeira à venda também e por um preço bem mais baixo do que a mamãe tinha comprado. Achou tão estranho aquela loja está com aqueles preços baixinhos das suas mercadorias e foi falar com a mamãe

– Mamãe? Mamãe? Está passando uma propaganda de uma loja com preços bem melhores do que os que a gente comprou! Por que será?

– Não sei dizer, filha! Tudo o que sei é que a nossa vizinha me disse que essa tal de Black Friday é tudo mentira! Eles nos enganam com os preços dos produtos e mercadorias! Aumentam os preços dias antes e no dia da Black Friday dão aqueles descontos maravilhosos! E agora estou com o meu cartão de crédito estourado! Como vou trocar o óleo do carro?

– O que importa, mamãe, é que a gente tem uma geladeira, um fogão, um ventilador e uma televisão tudo novo! Não fique triste! E não acredite nessa nossa vizinha, ela é uma invejosa. Fala isso porque não pode comprar nada na Black Friday. É uma pobretona. Vive sem dinheiro.

Apesar de falar tudo aquilo para a sua mamãe, a menina ficou com uma pulga atrás da orelha. Talvez os donos das lojas não fossem tão bonzinhos assim. Talvez eles enganassem os consumidores de alguma forma. Sentiu-se enganada pela loja onde comprou a sua televisão de 65 polegadas, pois o preço da que tinha acabado de ver estava bem melhor. E quis devolver tudo para a loja. Ser enganada não é uma coisa boa. A gente fica pensando que é uma tonta e se zanga conosco. Já pensou em ser enganado pelo namorado? Ou pelo marido? Por isso muitos casais não ficam tanto tempo juntos como a mamãe e o papai. Agora ela sabia o motivo da mamãe ter se separado do papai. Ser enganado dói lá no fundo da alma.

Só fazia três dias que a Black Friday tinha acabado. Seria possível reclamar das lojas ao PROCON? E a menina foi ligar para o Código de Defesa do Consumidor da sua cidade. Não custava nada. Era preciso alertar outras pessoas para não serem levadas por propagandas enganosas a comprarem muito, principalmente em dias de Black Friday quando os donos das lojas diziam que os preços eram os menores do comércio. Admitia ser uma compradora compulsiva, daquele tipo que não pode ver nada que já quer logo comprar. Não adiantava reclamar o leite derramado. Agora era hora de desfrutar do que tinha comprado com a mamãe e foi jogar videogame no seu potente computador comprado por 12.558,00, preço maravilhoso da Black Friday. Seria mesmo? 

Uns dias se passaram e a menina tomou um susto quando tentou ligar a sua televisão

– Mamãe? Mamãe? A televisão quebrou! E agora?

– Filha, veja a porta da geladeira caiu! E agora?

– Mamãe? Mamãe? O computador está se desmanchando! As teclas estão todas caindo!

– E o ventilador parou de funcionar!

– Mamãe, será que fomos enganadas?

A menina que já vinha bem desconfiada do barulho estranho que a sua televisão estava fazendo e foi a gota d’água ela quebrar. Chamou a sua mãe para irem conversar com o homenzinho do PROCON da sua cidade. Eles teriam que dar um jeito naquilo. Teriam que ajudá-las. 

Exercícios para o bom pensar.

1 – Na sua cidade tem Black Friday?

2 – Você costuma comprar por compulsão?

3 – Você sabe algum direito do consumidor?

4 – Você faz compras pela internet?

5 – Você se deixa levar por descontos e promoções?

6 – Você já comprou algo em promoção mesmo sem necessitar?

8 – Na Black Friday dizem que os preços ficam bem menores. Você acha que isso é verdade? Explique.

9 – Como você se sente quando faz uma compra?

10 – Por que as pessoas brigam por produtos com descontos nas lojas?

Desenhe você comprando o que não necessita apenas para aproveitar a promoção.