Quando a beleza nos poupa a vida

Rosângela Trajano

Não vou falar no meu ensaio da violência e barbaridade que houve entre espanhóis, holandeses e portugueses no nordeste brasileiro no Brasil Colonial. Toda forma de violência me deixa muito triste. Assim como ver os soldados e inocentes morrerem de fome, de doenças tropicais, guerras e tantas outras coisas mais.

Quero falar aqui da mulher que foi encontrada numa casa e teve todos os seus familiares assassinados e somente ela foi poupada pelos inimigos devido a sua beleza, na obra “História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses e relação da viagem ao país dos Tapuias” de Pierre Moreau e Roulox Baro, página 51.  Sim, quando a beleza nos salva. Moramos num país onde os cidadãos dão muita importância a beleza estética, a beleza corporal. Somos o país com o maior número de cirurgias plásticas do mundo, o maior em vendas de cosméticos para beleza, o maior em vendas de suplementos alimentares. Nos salvamos todos os dias através da nossa beleza. No entanto, pergunto: que destino teria tido aquela mulher se não fosse bela? Creio que o mesmo dos seus familiares e de tantos outros inocentes que morreram de forma bruta.

Os soldados portugueses e holandeses pareciam bárbaros, gente selvagem que matavam um inimigo e ficavam brincando com a sua cabeça no meio do pátio. Que coisa triste. Como devem sofrer as pessoas que não são consideradas belas! A beleza tão discutida nos dias atuais já salvava pessoas no Brasil Colonial. E ser belo garante maior destaque na sociedade, na vida profissional e até mesmo nas amizades. As pessoas querem a todo custo se tornarem belas, falo de uma beleza que não devia ser tão cultuada porque essa quando o corpo se esvai perde todo o seu significado.

Tantos inocentes morreram nas guerras do Brasil Colonial que eram cheios de virtudes e valores morais, tantas crianças e mulheres tiveram as suas vidas ceifadas por guerras alheias aos seus mundos, isso é feiura, isso é ingratidão à beleza da alma, do espírito, da anima. A mulher que teve a sua vida poupada pelos soldados porque era bela possivelmente viveria o mesmo hoje em dia, pois as pessoas belas são mais respeitadas do que as feias. As pessoas belas entram e saem de lojas de shopping centers com chinelos de couro, bermudas, blusinhas e etc, sem serem perturbadas por vendedores ou seguranças. Já as pessoas feias são assassinadas todos os dias pelo olhar desconfiável desses mesmos profissionais citados anteriormente. Vidas belas são poupadas todos os dias quando crianças em orfanatos são escolhidas para serem adotadas, sempre preferem as mais bonitas.

Os feios são massacrados, oprimidos, aprisionados em algum lugar do nosso preconceito que de alguma forma se veste de intolerância religiosa, política, cultural ou econômica. Os feios não têm vez numa sociedade onde a predominância da beleza toma o espaço das novelas televisivas, dos filmes de romance, dos nossos heróis de cinema e etc. Não conheço nenhum herói feio. A mídia dá muita importância a beleza estética. As pessoas cegas e surdas culturalmente escolhem os mais belos para serem os mocinhos das novelas e os mais feios para serem os operários assalariados. Há quem torça para que o mocinho nunca morra, porque ele é bonito demais para morrer, assim como era a nossa mulher bela. As pessoas belas deviam ser imortais, pensam alguns.

Temo que estejamos mais preocupados com a beleza corporal do que a espiritual. Não purificamos mais o nosso espírito em rituais religiosos. As pessoas preferem as clínicas de cirurgias plásticas onde deixam milhões de dólares para construírem nariz, seios, bumbum e outras partes do corpo mais bonitas. Salvaram uma mulher da morte porque era bela, mas não salvam centenas de brasileiros pobres e famintos da desigualdade social. Ainda há guerras por territórios em muitos lugares do mundo, guerras civis, guerras militares e outras mais. Penso que ainda são salvas as pessoas consideradas belas esteticamente porque somos uma sociedade marcada pelo patriacardo e colonialismo. O eurocentrismo continua ditando as normas da beleza no mundo inteiro e os louros de olhos azuis ainda são vistos como belos. Sei que aquela mulher bela poupada na guerra do texto deve ter sofrido muito com o assassinato dos seus familiares e talvez, por dentro, as espadas dos soldados atravessaram o seu corpo centenas de vezes sempre que matavam um inocente.

Lindas são todas as crianças, velhos, deficientes físicos e mentais que sofrem o abandono por parte das nossas instituições governamentais e são assassinadas pelo ódio à pobreza todos os dias. Nesse caminho onde passa a beleza estética também pode passar a beleza espiritual que não tem cor, raça, gênero, orientação sexual. Quando uma mulher tem a sua vida poupada porque é considerada bela toda uma sociedade morre de preconceito, fruto de homens bárbaros que só veem terras e mares à sua frente e só sabem dar tiros de balas de canhões para matar ou salvar quem os interessa.

Os navios do Brasil Colonial estavam cheios de soldados com cheiro de sangue e sede de conquistar um lugar que por direito já tinha dono e beleza esculpida nos seus céus e terras.

Exercícios para o bom pensar.

1 – O que é a beleza para você?

2 – Por que para algumas pessoas a beleza é tão importante?

3 – O que acontece quando nos dedicamos somente a beleza corporal?

4 – Como a beleza pode melhorar a vida de uma pessoa?

5 – Que tipo de beleza você mais aprecia: a da alma ou a do corpo? Por quê?

6 – Você se acha belo por dentro e por fora? Por quê?

7 – Como você acha que eram tratadas as pessoas no Brasil Colonial quando eram vistas como feias?

8 – Que tipo de beleza mais agrada você numa pessoa? Por quê?

9 – O que nos torna diferentes de outra pessoa além da nossa aparência física?

10 – Leia a obra “O Banquete” do filósofo Platão e explique em poucas palavras o que ele chama de belo.

Caro professor, esta é uma aula para o terceiro ano do ensino médio que deve ser trabalhada com imagens de pessoas pintadas, desenhadas ou fotografadas que possam ser identificadas como feias ou bonitas. Deve ser discutido o assunto da beleza na contemporaneidade. O escritor e filósofo Umberto Eco tem dois ensaios muito bons para se trabalhar esse tema intitulados “Ensaio sobre a feiura” e “Ensaio sobre a beleza”. Também tem o diálogo do filósofo Platão, “O Banquete” que trata da questão do ser belo. Tente construir com os seus alunos conceitos de beleza e feiura. Veja se eles dão muita importância a beleza do corpo. Como eles se cuidam, como eles escolhem os seus amigos e namoradas. Se eles gostam dos seus corpos ou se têm vergonha de andar com alguém que não seja bonito. Traga resumos das obras citadas acima para discutir com eles sobre a beleza. Faça uma roda de conversa e deixe que seus alunos falem bastante. Se possível registre tudo em áudio ou vídeo. Depois resgate esse material para trabalhar outros possíveis temas que podem ter surgido na discussão. É importante registrar tudo na roda de conversa. Se possível traga um texto do tempo do Brasil Colonial e como as pessoas daquela época se vestiam e eram tratadas conforme as suas belezas físicas. Qualquer dúvida me procure para discutirmos mais sobre esta aula tão importante aos dias atuais.