RESENHA CRÍTICA

QUARENTA DIAS

MARIA VALÉRIA REZENDE

1ª edição – Rio de Janeiro: Objetiva, 2014

ISBN 9788579622953

248 páginas

O livro Quarenta dias de Maria Valéria Rezende fala de Alice, uma professora aposentada que mora em João Pessoa e que, de repente, tem a sua vida modificada com um pedido, quase uma ordem, da filha que faz doutorado em Porto Alegre e é casada com um homem que também faz doutorado chamado Umberto. Os dois pretendem ter um bebê, mas antes de engravidar Norinha, como é chamada a filha de Alice, quer ter a mãe por perto para cuidar da criança quando ela nascer. Então, Norinha junto com o restante da família programam a mudança de Alice para Porto Alegre na primavera daquele mesmo ano. Alice se desfaz de todas as suas coisas, suas roupas e objetos pelos quais tinha um grande apego. Tudo é vendido, exceto um caderno velho com a capa da Barbie onde Alice vai anotar toda a trajetória dos seus quarenta dias e de quem vai se tornar amiga íntima com os seus escritos. Assim, parte para morar em Porto Alegre num apartamento alugado pela filha. Chegando a Porto Alegre Alice dá de cara com um mundo estranho, um apartamento luxuoso, com as cores preto e branco, um mundo que sabe não ser o seu. Alice fica mais revoltada quando descobre que a filha tem a cópia da chave do seu apartamento podendo entrar e sair dele a hora que quiser. Sentindo-se sozinha e triste, Alice não faz compras, não atende ao telefone, não sai nas ruas e não deseja conhecer a sua nova cidade. Norinha e Umberto convidam Alice para um almoço na casa deles e que por uma questão de educação ela aceita. Sendo chamada de brasileirinha pelo porteiro Alice acaba descobrindo que brasileirinho é todo mundo do nordeste igual a ela, e passa a buscar uma diarista para cuidar dos afazeres domésticos do luxuoso apartamento que também seja brasileirinha. Logo encontra uma mulher agradável e brasileirinha também de nome Milena. A filha Norinha e Umberto aprontam uma surpresa para a mãe e comunicam para Alice que viajarão à Europa, para estudarem. Alice se sente cada vez mais sozinha naquele lugar estranho. Decide fazer uma viagem imaginável e diz ao porteiro que vai para Jaguarão e sai de casa apenas com um celular velho, o cartão do banco e algumas moedas. Já na rua Alice recebe uma ligação de Elizete que pede para ela procurar pelo filho de Socorro que se chama Cícero Araújo desaparecido há um ano. Alice anda pelas ruas de Porto Alegre com a desculpa de encontrar o filho de Socorro. Na verdade, fugia daquela vidinha estranha presa dentro de um apartamento que nada tinha de si, de um mundo estranho, de coisas que a desagradavam e a deixavam há dias em reflexão e com o coração apertado. A procura de Cícero se deu primeiro pela comunidade de Maria Degolada e depois se seguiu por um hospital da cidade, pela rodoviária, pela praça e tantos outros lugares. Nessa procura de Cícero, Alice conhece um mundo diferente. O mundo das pessoas simples, dos vários brasileirinhos espalhados por Porto Alegre, dos operários, das donas de casas, do poeta argentino Arturo e da inesquecível Lola. Em cada lugar que chega Alice pergunta por Cícero, eis a sua desculpa para perambular pelas ruas da cidade de Porto Alegre andando sem destino. Alice toma um susto ao entrar numa padaria para comprar um pão e o balconista perguntar se ela deseja o “cassetinho”. Quase manda ela se enxergar e ter mais respeito com uma idosa, até perceber que o pão cassetinho é o mesmo que o nosso pão francês da região Nordeste. Cada ida ao caixa eletrônico é o temor de não ter mais dinheiro para sobreviver sozinha nas ruas. No hospital Alice descobre um lugar para dormir e tomar um ganho de gato, como ela própria diz. Mas é na rodoviária onde paga para tomar um bom banho e lavar as suas roupas íntimas. Alice compra numa lojinha de 1,99 dez livros de literatura de autores que ela gosta e uma mochila com rodinhas para colocá-los dentro. Também compra em outra loja cuecas para vestir já que não tinha calcinhas. A vida de Alice vai se configurando nesse cenário de moradora de rua. Ela consegue ver de perto a dificuldade e sofrência dos moradores de ruas, porque passa a ser um deles. Numa noite dorme no relento deitada num velho sofá jogado no lixo. Até que Lola a leva para a sua casa e faz uma cama de livros para ela poder se deitar em cima deles. Alice toma banho na casa simples de Lola e as duas vão tomar café juntas. O pouco dinheiro quase no final deixa Alice preocupada. Alice segue a sua procura por Cícero como também a sua escrita diária no caderno da Barbie. Mas Lola, sua amiga, recomenda que volte para casa, para o seu lugar. A pergunta que faço é: será que aquele apartamento xadrez era mesmo o lugar de Alice? Será que aquela cidade era mesma sua? O que ainda era seu? Alice entrou num buraco profundo como Alice no país das maravilhas, de onde seria difícil retornar. Para uma mulher idosa que passou a vida inteira trabalhando e se dedicando a cuidar da filha, restava a Alice uma vida tranquila na sua casa e na sua cidade ao lado das pessoas que amava. Assim deve ser a vida de um idoso cansado de vários anos de trabalho. Mas Alice como toda mãe deixou que o amor pela filha falasse mais alto e foi para longe de tudo o que amava mesmo com a sua idade pedindo descanso. Alguns idosos são explorados pelos filhos e quando não fazem o que desejam, geralmente, são abandonados em abrigos. É muito triste a situação dos idosos no nosso país, pois passam a vida trabalhando e quando se aposentam o governo esquece dos seus direitos básicos de saúde e sociais. Alice é mais um caso de exploração de idosos dos tantos que vemos pelo Brasil a fora. Em conversa com a minha mãe ela disse que faria o mesmo por mim se eu a pedisse para ir morar comigo em outra cidade para me ajudar enquanto eu estudava. Todos os pais fazem sacrifícios pelos filhos. É preciso cuidarmos bem dos nossos idosos. Faz-se necessárias políticas públicas de qualidade de vida para os idosos e mais amor por parte dos filhos, familiares, parentes e amigos.