A poesia da criança

Rosângela Trajano *

Nas minhas andanças pelas escolas, praças, bibliotecas, lugares os mais diversos encontrei muitas crianças que se dizem ou querem ser poetas, na verdade elas não sabem que contêm a poesia.

Poesia de criança devia falar do céu, dos animais, das plantas, da natureza em geral, e não sei por que criança insiste em poetizar sobre o amor. Parece que poesia pra ela é tudo aquilo que fala do amor rimado. Vi muitos meninos e meninas apaixonados quando ainda não conheceram o amor verdadeiro.

Certo dia, fui convidada para ministrar uma oficina de poesias. Toda a criançada escreveu poesias de amor. Não faltou quem falasse do gosto do beijo, da saudade do namorado, do ciúme e da vontade de ficar perto do outro. Sem querer imitar Rilke, quando diz no seu livro “Cartas a um jovem poeta”

[…] Aproxime-se então da natureza. Depois, procure como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usuais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida […] [1]

Achando estritamente necessário comecei a contar pra eles o quanto é difícil falar de algo que pensamos conhecer, podemos cair no erro de descrever a coisa da forma errada. E o amor tem muitas faces, muitos sentimentos que só aparecem depois de muitos anos vividos.

A poesia mais comum que encontro na criançada, principalmente nas meninas da minha oficina:

Com A escrevo amor

Com P escrevo paixão

Com “C” escrevo Carlos

Que não sai do meu coração.

FIM POR FIM FEITO POR MIM.

A letra “C” pode ser substituída por qualquer outra dependendo do nome da garota ou garoto admirado. A maior parte da poesia e também dos trabalhos têm a frase acima no seu final.

A oficina durou três meses. Falei da natureza. Mostrei aos alunos daquela escola o quanto a natureza é bela. E que só posso afirmar isso, porque conheço a natureza. Só posso fazer uma idéia da beleza da natureza, porque ela está perto de mim. Como poderia ser legal falar dela já que a conhecemos tão bem. Afinal quem não tem um passarinho em casa, uma plantinha, um peixe no aquário ou um jardim cheio de flores. Abaixo a poesia de uma aluna que conhece bem o bichinho escolhido para fazer a sua poesia:

O sapo

O sapo é um lindo bichinho

Todo esverdeado e de pintinhas

Pula, pula, pula e pula

Mora nas águas limpinhas

Tira a sujeira dos rios

Limpando com a vassoura

Tirando a poeira com um paninho.

Gilmara Sales Borges

7º ano

Expliquei como usar a imaginação para falar dos animais que não conhecemos, mas que são lindos bichinhos que de uma certa forma sempre estiveram perto da gente desde a pré-escola quando a professora desenhava aquele elefante ou aquele urso bonito. Abaixo uma poesia de um animal que os alunos nunca viram, mas conseguiram com o jogo das palavras e a imaginação criar uma poesia:

O elefante

Conversei com um elefante

Perguntei o que ele gosta de fazer

Me respondeu sorridente

Cheio de graça e contente

– Eu gosto é de comer.

Ana Paula Pereira da Silva

7º ano

Observemos que na primeira poesia a aluna descreveu detalhes do sapo, porque o conhece e assim a sua poesia ficou rica e bela. Na segunda poesia a aluna usou o recurso do imaginário, não descreveu o elefante, usou a palavra “elefante”, o sujeito da sua poesia, para brincar com o sujeito. A segunda poesia tem rima e musicalidade. Além de trazer várias imagens: uma menina conversando com um elefante, um elefante sorridente, um elefante comilão. Essa é a verdadeira poesia.

Não vou me deter a falar como ensinei o uso da imaginação e das palavras com sentido figurado. Direi apenas que os alunos escreviam o que pensavam e depois, juntos, brincávamos de inventar gestos e sentimentos às plantas e aos animais. Mais ou menos isso.

O que importa neste artigo é mostrar à criança que a poesia é o sentimento que há dentro da gente, é o nosso jeito de ver o mundo, é a explosão das nossas imagens em palavras que bailam no papel. E para poetizar é preciso permanecer dentro da poesia sempre, por isso o dever de conhecer aquilo de que se fala. Não ficamos nunca num lugar desconhecido. Não pintamos casas com tintas que nunca vimos, apenas ouvimos falar. Assim é a poesia, só é bem escrita quando é vivenciada, ou seja, sentida.

[1] RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. São Paulo: Globo, 1999. p. 23.


* Rosângela Trajano é licenciada e bacharel em filosofia e mestra em literatura comparada.