Um conto de Rosângela Trajano

Era noite de Ano Novo. O menino e a sua família linda estavam todos na praia. Ele tinha brincado o dia inteiro, correndo, pulando e nadando. Foi dormir enfadado. Mesmo assim custou a pregar os olhos. Ficou a pensar no mar. Lá morava o vovô e a vovô agora. Sim, as cinzas do vovô foram jogadas ao mar naquela manhã bonita.

O menino ficou a sonhar com o vovô dentro do mar. Ele devia estar contando histórias para os peixinhos ou conversando com uma sereia. E a vovó? Talvez tricotando um casaco para alguma baleia. Seria preciso muitas linhas, riu o menino com o seu pensar. Aquele era o último dia do ano, e logo a família começaria a comemorar o Ano Novo que chegava devagarzinho. Só ele estava quase dormindo para sonhar com o verdadeiro significado da amizade. Sim, porque o seu amiguinho Lucas foi ingrato com ele o bloqueando nas redes sociais só porque não fez o que ele gostaria que fizesse.

A amizade para o menino era algo grandioso que não devia se acabar nunca. Ele se perguntou de supetão: para onde vão os segredos quando a amizade se acaba? Sabia que Lucas, seu amigo, tinha muitos segredos seus e que ele também tinha muitos dele. Ficou preocupado com aquilo e deu um pulo da cama correndo atrás da sua mamãe para saber onde se escondem os segredos quando a amizade se acaba. Mas, a mamãe estava muito ocupada com as titias, a madrinha, as primas, as amigas conversando sobre os momentos do ano velho que estava terminando.

O menino voltou para o seu quarto, abriu a sua janela e pôde ver o mar. Sabia que o vovô sempre tinha respostas para as suas perguntas e gritou:

– Vovô, para onde vão os segredos quando a amizade se acaba?

O vovô pareceu responder, pois veio uma onda forte que bateu na parede do quarto do menino e se foi devagarzinho, porém ele não entendeu a resposta. O vovô agora falava de uma forma diferente. O menino ficou ali deitado na janela vendo o tempo passar por ele enquanto lá dentro todos faziam a contagem regressiva para a chegada do ano novo…5, 4, 3, 2, 1, 0… feliz Ano Novo, gritaram numa algazarra grande de taças se brindando e pessoas saudando umas as outras.

E se os segredos fossem espalhados pelos quatro cantos do universo? E se Lucas contasse para todo mundo que o menino ainda fazia xixi na cama? E se os amiguinhos da escola soubessem que Lucas gosta de comer meleca do nariz? Não! Ele não contaria os segredos do seu amigo para ninguém, contudo alguma coisa devia acontecer com eles sem a amizade porque para ser amigo tem que saber guardar segredos, como diziam o vovô e a vovó.

O menin foi acordado dos seus pensamentos pela sua mamãe que veio lhe desejar um feliz ano novo com um abraço forte:

– Mamãe, eu tenho uma pergunta para fazer.

– Pergunte, filho. Seja rápido que a mamãe tem que dar atenção as visitas.

– Para onde vão os segredos quando uma amizade se acaba?

– Eles se acabam também, meu filho. Quando a amizade se acaba tudo morre. Por que você está querendo saber sobre isso agora?

– Curiosidade minha, mamãe. Quer dizer que quando a amizade se acaba tudo se acaba junto com ela?

– Sim! Isso mesmo! Só restam as pessoas vazias e incompletas. Até que surja um outro amigo leal para se confiar. Agora tenho que ir. Feliz Ano Novo! Te amo!

O menino respirou aliviado depois que a mamãe saiu do seu quarto. Menos mal saber que seus segredos e os de Lucas se acabariam assim do nada, como do nada acabou a amizade entre eles. Na verdade, a mamãe estava com a razão. Desde que Lucas deixou de falar com ele que nunca mais tinha pensado nos segredos que compartilhavam. Estava esquecendo de tudo devagarzinho apesar de não querer, apesar de gostar de lembrar do sorriso de Lucas e do medo que ele tinha de lagartixa. Tudo estava sendo esquecido e como é triste esquecer de quem amamos, como dói, como nos machuca, como nos apavora o medo de ficarmos sozinho sem termos com quem dividir uma alegria, uma bala, um algodão doce ou uma pipoca.

A maior dor do esquecimento é o tempo que se leva para que ele aconteça de verdade e a gente já não lembre de mais nada. Será que o tempo é justo com quem precisa esquecer de um amigo? Quanto tempo dura até que esqueçamos de tudo? Há coisas que nem o mar, nem as estrelas, nem a magia de uma noite de Ano Novo, sabem responder. É melhor que fiquemos em silêncio, com os olhos fechados a lembrar de que da nossa parte sempre houve lealdade, carinho e cuidado. Da nossa parte…

O menino voltou para a sua cama, rezou e tentou adormecer. Ao fechar os olhos ouviu alguém gritar no corredor da casa

– Ah, mas eu não serei feliz sem você quando partir!

Era como ele estava se sentido sem a amizade de Lucas. Parecia que ele tinha partido para um lugar estranho. Os dois eram amigos desde bebês. Cresceram juntos. E quando faziam aniversários comemoravam juntos, também. Triste era saber que ele ainda continuava no ano velho a pensar em coisas que só o coração sabe explicar. O menino foi fechando os olhinhos e sorrindo lembrando dos segredos do seu ex-amigo Lucas:

– Eu ainda lembro que você tem medo de barulho, Lucas, mas eu vou esquecer e não sei se isso será bom ou ruim para nós dois. Até qualquer dia. Feliz Ano Novo para você onde estiver neste momento!

Todos os anos, Lucas vinha com o menino à praia e ficavam juntos o verão inteiro. O menino apertou bem os olhos para não ver a cama ao lado vazia, que no dia seguinte seria retirada do quarto para um homem chato e barbudo amigo do papai dormir nela, e adormeceu para sonhar com peixinhos, sereias, baleias e navios de piratas legais que traziam brinquedos para ele e lhe desejavam um feliz Ano Novo! É preciso esquecer dos segredos de Lucas, seu pirata. Só me ensine como, pediu o menino a um pirata perna de pau com um papagaio no ombro.