Natal-RN, 03 de julho de 1993.

Carta à menininha de vestido vermelho.

Querida menininha,

Como vai você? Esqueceu da sua amiga poeta? Tem feitos indagações sobre a vida? Estou meio parecida com você nos últimos dias e tenho me feito questões que nunca encontro respostas. Acho que estou ficando velha. Qualquer coisa me perturba os ouvidos, menos o barulho do vento. Ah! O vento! Esse será sempre uma sinfonia para mim. Tenho um segredo para contar-lhe: ontem tomei banho de chuva. Claro que se meus parentes soubessem que aos oitenta e sete anos ando fazendo coisas de criança diriam que estou ficando maluca. Ah! Se eu fosse mesmo uma maluca, talvez vivesse bem mais feliz. A razão é uma coisa estranha, às vezes.
Estou com raiva de você. Nunca mais deu-me notícias. Não falou mais do seu porquinho nem reclamou de ir à escola todos os dias. No meu tempo de criança também não gostava de ir à escola, mas hoje sei que a escola é muito importante para aprendermos coisas além dessas perguntas que fazemos sobre a vida, como as ciências e as artes em geral. Ainda lembra que pedi-lhe para trazer batatas para mim? Sabe, menininha, tenho andado meio esquecida nos últimos dias. Fui ao mercado e esqueci o que precisava comprar, agora só saio de casa com uma lista de tudo o que necessito.
Estou criando galinhas no meu quintal. Você já viu uma galinha, menininha? Elas são muito esquisitas! Cacarejam quando põem ovos. Até trouxe uma para dentro de casa e juntas escutamos as novelas prediletas no meu radinho de pilha. A minha galinha parece compreender-me bem, pois sempre que reclamo de algo ela cacareja. Ando bastante reclamona. Reclamei do homem do leite e do que limpa o jardim. Nem lembro o motivo. As galinhas são boas amigas. Batizei a minha com o nome de Dalva, para lembrar-me da estrela Dalva.
Estou cansada, menininha. Faz frio lá fora e não há barulho de nada. Estou coberta e tomando uma xícara de chá daquele que você não gosta. Quando vier visitar-me prepararei para você bolo de chocolate com suco de tomate. Será que gosta de tomates? Você não gosta de quase nada que lhe ofereço, tem dias que está tão abusada, mas eu também sou assim. Acho que talvez seja isso o que nos une. Traga-me as batatas e um par de meias de algodão para esquentar meus pés, por gentileza. Vou dormir. O relógio da parede está quebrado e eu não sei direito precisar a hora, mas penso que seja madrugada de domingo. Amanhã é dia de ir à igreja rezar pelos mortos. Farei isso cedinho. Adeus, menininha!

Da sua poeta,
Rosângela Trajano.