Rosângela Trajano

Quando foge um passarinho

O passarinho fugiu da gaiola

Ficou a vasilha d’água

Umas sementes de alpiste

A porta aberta dizia: fugi

Lá fora um menino.

Primeiro a surpresa

O espanto

Não é verdade

É verdade

Fugiu!

Embaixo da cama

Escondido

Chorava.

Fugiu meu passarinho

Não gostava de mim

Ou quis conhecer o mundo

Pode ser que não cuidei bem dele

Terá sido de madrugada ou manhã cedo?

Embaixo da cama

Escondido

Lembrava de ter achado um outro

Mais bonito do que ele

Na frente dele

Em dia de domingo

Quando ele mais cantava.

A gaiola foi pendurada na parede do quarto do menino

Serviria como lembrança de um passarinho preso

Que fugiu, de repente! Como de repente é a vida

Como de repente é a lágrima que cai.

Veio pranto de fora pra dentro

Um entalo na garganta

Coração agora era coracinho

Sabão agora sabinho

Tudo parecia pequenininho.

Nunca ligou para o seu passarinho

Chegava da escola largava os livros

E nem olhava para o bichinho

Quem não cuida, perde

É como água a ferver

Se descuidamos evapora.

Disse a vida ao menino

Cuida do teu passarinho

E se ele voltasse

Receberia mil carinhos

Uma gaiola nova

Alpiste com vitaminas

Nunca mais ficaria resfriado.

Foi do resfriado que o menino sentiu falta

Do passarinho que espirrava

O silêncio às vezes fala: és responsável!

O quarto virou caixa de fósforos

Dentro dele um menino do tamanho de um alfinete

Uma gaiola com a porta aberta

Onde andará meu passarinho?

Estará voando sozinho

Ou em bandos de amigos

Em galho de árvore

Ou perdido em meio ao trânsito louco da cidade?

Meu passarinho de volta

Era viver de novo

Não ter morrido pro ontem

Gritar aliviaria a dor:

Passarinho, volteeeeeeeeeeeeee!

E sem que percebesse o menino tornou-se gigante

Saiu de dentro da caixa de fósforos

Além das nuvens

De onde tudo podia ver

Estava na sua cabeça um passarinho

Fazendo ninho.

Como saber que passarinho era aquele

O menino revirou os olhos

Quis virar a cabeça para baixo

Passarinho cantava alto

Piuuuuuuuuuuuuuuuuu!

E como se quisesse dizer alguma coisa

Passarinho veio à frente do menino

Boquiaberto ficou:

Meu passarinho!

É você, sim, meu passarinho!

Menino diminuiu, voltou ao tamanho normal

De gente miúda

Não cabia mais em caixa de fósforos

Nem era um gigante

Apenas um menino como outro qualquer.

Procurou passarinho, ainda sonolento

Só a gaiola vazia e mais nada

Por que a gente não pode morar nos sonhos?

Embaixo da cama

Escondido

Voltou a dormir o menino.

Enquanto em fio de poste de iluminação pública

Um passarinho desorientado morria de medo.