Rosângela Trajano

Girassóis azuis

Retirei de mim um fogo com brasas de ideias sem nomes.

Atrás do relâmpago guardei, de joelhos, meus segredos indefesos das guerras Napoleônicas.

O prato de comida vazio, o pão cálido… a miséria dos meninos africanos é igual a miséria dos meus rastros despidos de vontades.

Eu gostava de olhar pés descalços, porque eles contavam histórias de labutas árduas.

Eu gostava de olhar à lua. E quando a lua estava minguante eu pensava, comigo, ela está sorrindo para mim, e eu estou em desertos.

Aí vinha a lua cheia e as águas e eu ficava admirando meu rosto cansado e sofrido da indisciplina dos meus sentimentos.

No dia do meu aniversário desenharam um sorriso tímido no meu âmago. Com uma flor murcha, presenteada ao meio-dia de um sol quente, despedaçaram meu coração.

Caminhava para lugar nenhum. Lugar nenhum. Nenhum Lugar. Lugar? Nenhum.

Talvez procurasse estrelas do mar.

Abri a caixa de fósforos para acender-me.

Fui uma formiga diante da multidão barulhenta. Fui…

Fui uma ave de rapina presa no alçapão do menino do sertão. E ele sorriu… Ele sorriu.

Adorava as bonecas de pano que vovó me costurava.

Sentei-me no cais só para dar adeus aos navios que levavam meus sonhos de menina e, de repente, me vi mulher.

Fiz barquinhos de papel e me imaginei num cruzeiro de luzes e aplausos. Sempre estive só. Meus barquinhos morreram na praia.

Fui noiva de ninguém e rasguei o vestido à porta da igreja.

Ao padre confessei meus pecados de menina-moça que anseia o primeiro beijo. Beijei o padre!

Tereza, a puta da minha rua saía todas as noites para vender o corpo e eu ficava me perguntando se ela era feliz.

A raiz era gigante e eu a queria para mim.

Mas a porta fechada me negou enxergar o outro lado da vida.

O outro lado da vida eu senti hoje, na velhice, numa tarde onde os girassóis azuis dançaram para mim.

Estou só… Além de mim só os portões fechados do destino.