Rosângela Trajano

As histórias estão acabadas?

Era uma vez….

Segundo Benjamin as histórias estão acabadas. Depois do romance, faltam aos narradores as experiências. Os homens estão surdos e mudos. O que enxergam não conseguem transmitir nem através de gestos, as imagens que criam estão estilhaçadas. Aos homens faltam as experiências da antiguidade, dos tempos em que se sentava ao redor da fogueira para se ouvir uma história, que um contador contava com todo o seu furor divino.

Os homens trocaram as estradas de barro pelos asfaltos, as casinhas de sapê pelos edifícios, ou seja, trancam-se num mundo individual onde cada um habita sua própria morada. Como se pode ter experiência para contar história quem vive isolado do social? Ah! Quão feliz era o homem que no leito da morte podia estar ao lado dos seus, para lhes falar as últimas palavras. Corre, homem! Leva esta minha mensagem as mais longínquas cidades que conheceres para que todos dela tomem conhecimento. Mas ao homem que tal tarefa foi dada, não alcançou sequer a primeira cidade, suas palavras davam saltos e suas frases se misturavam umas as outras não constituindo uma história, mas um fala sem começo, meio e fim.

Falemos dos tempos passados. Do tempo em que o morto vinha para casa, e era velado. Do tempo em que se colocava luto e não se podia vestir roupa vermelha por um certo período quando morria um parente. Falemos dos guardanapos com os nomes dos donos, das janelas de vidro, dos tapetes de veludo…falemos, sim. E todas essas coisas estão perdendo existência, seguindo o caminho das histórias que serão contadas por um novo gênero de contadores de histórias, serão as histórias das histórias.

Mas o que terão para contar os nossos novos contadores de histórias? Se desaparecem as experiências dos mais antigos, fica um mundo de tecnologia, onde um segredo já não pertence mais a uma só pessoa, onde a privacidade já não se respeita mais – Sorria você está sendo filmado! – o que contaremos às nossas crianças amanhã? As histórias que os nossos avós nos contaram? Mas, e quando os nossos avós pertencerem a essa geração sem medo da morte, sem segredos, sem privacidade o que terão eles para contar? Creio que contarão histórias tão fabulosas quanto as de antes, como o simples fato de ter conhecido a avó pela Internet ou ter feito uma viagem a lua, melhor ainda ter conhecido marte e conversado com os marcianos.

No meu ponto de vista as histórias não estão acabadas. Nunca estarão. Há histórias para cada geração. Benjamin quis dizer que as histórias tradicionais podiam estar acabadas, mas a tradição deve se unir ao fenômeno do nascimento, do novo. Seria uma espécie de tradição que vai se constituindo de novas partes, perdendo outras, como um satélite no espaço que vai largando suas peças até chegar as profundezas do oceano. Gostaria de poder sentar daqui a dez anos no meio da rua, e relatar para uma criança que tomava banho de rio e brincava com bonecas de pano;.gostaria de contar para uma criança que acendia uma vela para Santo Antônio todo dia treze de junho e o colocava de cabeça para baixo só pra ver se conquistava um namorado, mas nenhuma criança estará interessada neste tipo de tradição oral, as crianças vão querer ouvir histórias de pequenos bruxos como Harry Potter, talvez elas nem se lembrem mais que existiu, um dia, um menino que o nariz crescia quando mentia, e se lembrarem certamente será através da figura do velho e bom contador de histórias.

Nenhum livro, nenhum meio de tecnologia poderá substituir o contador de histórias, mesmo que este se apresente por meio eletrônico como já podemos ver hoje através dos recursos da multimídia. Logo, a figura do narrador se constituirá num programa de computador que animará o sorriso de uma criança. Ainda assim as histórias não estão acabadas.

E todos foram felizes para sempre.

BIBLIOGRAFIA:

BENJAMIN, Walter. O narrador. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

______. Experiência e pobreza. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.


Rosângela Trajano é licenciada e bacharel em filosofia e mestra em literatura comparada.