Quando as professoras particulares salvavam as crianças

Rosângela Trajano *

Lembro-me bem da minha professora particular que tive quando criança. Foi com ela que aprendi as primeiras letras, a fazer continhas e também a gostar de estudar. Às vezes fico pensando nas enormes dificuldades que os alunos têm de fazer a tarefa de casa, tirar dúvidas ou até mesmo aprofundar o conhecimento. Só há a professora da escola que precisa dar atenção para quase sempre trinta ou quarenta crianças ao mesmo tempo.

As professoras particulares geralmente têm poucos alunos, algumas até reservam horários, tiram dúvidas e contribuem para que a aprendizagem torne-se mais fácil. A minha ex-professora particular hoje conta mais de noventa anos de idade, está velhinha e cansada. Ninguém quer mais ser professor particular. Parece-me que ninguém quer mais ser professor de coisa nenhuma. Antigamente a gente ia pela manhã à escola e à tarde ia para casa da nossa professora particular. Hoje as crianças chegam em casa e algumas vão brincar no meio da rua e outras vão jogar videogames ou fazer mais tarefas que lhes são atribuídas a todo instante.

Nunca esqueci da minha professora particular. A minha mãe pagava coisa pouca para ela, era uma pessoa sem formação pedagógica, mas o carinho que dedicava ao ensino-aprendizagem era tão grande que não havia quem saísse da sua casa alfabetizado. Foi com a minha professora particular também que aprendi a escrever meu nome, quando cheguei à escola já sabia de muitas coisas. Eram dois banquinhos de madeira ao redor de uma mesa e um quadro negro pequeno. Nada de luxo. O luxo era ter aquela professora que amava nos ensinar. Atualmente, as escolas particulares oferecem reforço escolar, contudo a maior parte das escolas públicas não tem condições sequer de preencher seu quadro de professores. Ficam os alunos assim perdidos com as suas dúvidas, a mercê de uma educação que grita socorro em busca de uma esperança que nunca chega.

A minha ex-professora particular chama-se dona Marilde, a do meu irmão mais velho foi dona Anaíza e assim tivemos cada um as nossas professoras. Será que não está na hora de valorizarmos essas pessoas que dão aulas de reforço em casa, que são professoras nas horas vagas por amor à educação? Para mim, tudo é válido quando pensamos numa educação de qualidade em uma cidade em que o número de analfabetos funcionais é altíssimo e o IDEB da maior parte das escolas abaixo do exigido pelo MEC.

Que voltem as professorinhas particulares em cada quarteirão, cada bairro, cada lugarzinho desse nosso enorme país. E que o MEC e tantas outras instituições ajudem essas profissionais a desenvolverem suas atividades com a garantia dos seus direitos trabalhistas. Como seria bom se um grupinho de cinco crianças tivesse duas horas de aula a mais depois das recebidas na escola e que fossem oferecidas por um outro professor.

Tragam a minha professorinha particular de volta…


* Rosângela Trajano é licenciada e bacharel em filosofia e mestra em literatura comparada.