A vida das crianças-condomínios

Rosângela Trajano

Antigamente morávamos em casas e podíamos correr nas ruas e brincar de esconde-esconde. Mas, nos dias atuais, a maioria das crianças estão presas por trás de muros altos nos condomínios onde moram. Essas crianças desconhecem a realidade do país e vivem as suas vidas do condomínio para escola. Muitas delas não sabem o que é um transporte coletivo ou o que é uma favela. Vivem alheias aos problemas da sociedade.

Usei o termo crianças-condomínios para diferenciar das demais crianças que, ao contrário dessas, vivem em casas sem muros e proteção demasiada. Proteger é importante, porém precisamos ter limites quando lidamos com criancinhas, pois essas necessitam conhecer mundos, principalmente, o real.

As crianças-condomínios conhecem apenas o mundo atrás dos muros altos que as protegem. Nos condomínios há normas estipuladas pelos síndicos e por aqueles que não gostam de barulhos de crianças. Nem em suas próprias moradias podem gritar, correr ou pular… as crianças-condomínios não podem ser traquinas ou fazer peraltices. As normas dos condomínios são rígidas e criança que esperneia aborrecida porque tiraram-lhe o brinquedo pode incomodar o vizinho do lado e os pais logo recebem uma reclamação.

Essas crianças nunca andaram pelas ruas da cidade a sentir o vento bater em seus rostos, olhando as vitrines das padarias, os campinhos de futebol ou o vendedor de picolés da esquina. Elas sequer sabem da existência de um outro mundo além dos muros dos seus condomínios.

Vivemos uma realidade difícil diante das nossas crianças. Ao buscar protegê-las pais e responsáveis acabam podando o melhor que podem oferecer-lhes, ou seja, mostrando a vida como ela verdadeiramente é. As crianças-condomínios desconhecem a violência urbana, pois andam em carros blindados e na escola não comentam sobre a última vítima inocente da periferia. A superproteção dessas crianças acaba prejudicando as suas vivências e quando se tornam adultas não sabem como caminhar sozinhas.

As crianças-condomínios nunca tiveram o prazer de brincar de gato no pote ou pau de sebo, pois em seus condomínios apenas podem brincar no parquinho ou na quadra poliesportiva.

Há um menino morador de um condomínio que outro dia confundiu um transporte coletivo com um caminhão. Esse mesmo menino a primeira vez que viu um morador de rua pensou que fosse um Lobisomem pela sua barba grande e roupas rasgadas. Esse menino vive num mundo do faz de conta onde tudo parece ser belo e bom. As crianças-condomínios desconhecem a maldade e, por isso, quando sofrem bullying nas escolas não sabem como se defender. Algumas dessas crianças por não terem espaço adequado para se divertirem brincam com os seus celulares, logo não correm, não pulam, não gritam… tornando-se assim obesos por viverem a maior parte das suas vidas deitadas ou sentadas.

É preciso salvar as crianças-condomínios. Mostrar para elas a realidade do mundo, mesmo que seja dura e difícil. Levá-las a um passeio na feira ou a uma escola pública da periferia de algum bairro para que assim conheçam e valorizem mais as coisas que têm e sintam de perto como as crianças que com tão pouco são felizes, também. O mundo é doloroso para quem vive numa redoma e põe os pés fora dela pela primeira vez, nunca se sabe o que acontecerá. As crianças precisam estar preparadas para viverem no conforto de um condomínio ou numa casa simples da periferia do bairro.

Ademais, essas crianças-condomínios não têm quem as ouçam muitas vezes, não têm com quem conversar quando chegam da escola, não têm sequer vontade de brincar com outras crianças. Presas em seus muros, dentro dos seus aconchegantes apartamentos passam o resto do dia assistindo a filmes ou jogando nos seus aparelhos celulares. Enquanto isso, lá fora depois dos muros no semáforo da esquina há crianças limpando para-brisas de carros para conseguirem dinheiro e ajudar no jantar em casa. As crianças-condomínios não sabem que existem crianças que não estudam, que não têm comida ou roupa limpa. Algumas crianças-condomínios têm medo de outras crianças das suas idades quando se aproximam delas para pedirem um pedaço de sanduíche ou coisa parecida, porque não sabem como lidar com a situação e foram ensinadas desde cedo a ficarem longe de desconhecidos.

Criamos nossas crianças com medo de que elas enfrentem o cotidiano da cidade grande, e acabamos prejudicando as suas vivências diante da cultura da sociedade, pois elas não foram preparadas para lidar com certas indagações a respeito do mundo real. As crianças-condomínios vivem das aparências, das sombras, numa espécie de caverna moderna. E nós, adultos, assustados que estamos com o mundo real esquecemos que as nossas crianças precisam de saberes para o amadurecimento das suas ideias. Criemos crianças-estrelas para correrem atrás delas diante dos morros das cidades grandes e lutemos por um mundo mais digno para todos.