Rosângela Trajano

a vendedora de flores
não sabia contar dinheiro
era uma menininha risonha
qualquer moedinha estava bom
também as flores eram arrancadas do jardim do vizinho
só corria o risco dele comer-lhe seu coração
mas talvez nem gostasse
quem vai gostar de um coração doído com sabor de limão
a menininha sofreu quedas ao longo do seu caminhar
tropeçou no desespero e no abandono
nunca teve casa para morar e nem meias para calçar
vendia flores para comprar pão
quando lhe perguntavam quanto era levantava o dedinho e dizia sorridente “uma moedinha”
com aquela moedinha matava a sua fome
roubar as flores do vizinho tinha uma justificativa séria
e as pessoas grandes gostam de coisas sérias
ela precisava de comida… aquilo era muito sério para uma menininha largada na rua, na vida, na noite, na virada do século
dona de um coração despido de sonhos e de alegrias
dentro de si o que sorria era apenas as cócegas sentidas na barriga quando seu gato corria por cima dela e mais nada
no entanto, isso para ela era muito
e a vida continuava a doer, a gemer, a bater na menininha
é preciso guardar numa caixa os farrapos sem nem saber para quê
mas guardava tudo numa caixa velha de sapatos
lá dentro guardava a flor murcha que nunca quis vender
por que? porque sim dizia a menininha abraçando-a no peito
sim! o amor não tem explicação… ama-se apenas