O jeito de se vestir de um menino

Do livro Ensaios de Montaigne, livro I, ensaio “Do hábito de se vestir”

Adaptação infantil por Rosângela Trajano, em 03 de março de 2003.

Raul era meio engraçado quando ia colocar uma roupa. Revirava o guarda-roupa pelo avesso, depois ficava de frente para o espelho a se perguntar por que tinha que vestir tanta roupa quando na verdade já tinha a sua pele para protegê-lo do frio e do calor. Às vezes Raul achava que o homem inventava muita coisa tola. Mas só de pirraça Raul nunca repetia uma roupa, e aquilo deixava a sua mãe muito irritada, ela vivia dando as suas roupas para crianças carentes.

– Não sei por que tenho que vestir roupa. Devíamos ser como os animais. – Comentou Raul enquanto vestia o casaco de frio.
– Deixe de reclamações, menino. Vai querer andar nu por ai? Era só o que faltava. – Disse a mãe, aborrecida.
– Mas mãe por que gato, tartaruga, cachorro, elefante não precisam vestir roupas?
– Porque não são humanos. Já viu um homem andando pelado pelo meio da rua, Raul? Isso seria uma ofensa à sociedade.

E Raul começou a pensar na forma como o seu pai se vestia todas as manhãs para ir trabalhar. Se lhe tirassem a gravata era um homem pelado. Também lembrou da sua avó que não saía sem luvas para lugar algum. Gente esquisita. Prender-se a uma vestimenta para viver. Ainda por cima vinha o cuidado da sua mãe para com ele naqueles tempos de frio, quando o vestia todinho. Era horrível ter que se vestir do jeito que as pessoas queriam!

Certo dia, Raul decidiu mudar aquilo. Ouviu na escola que alguns índios viviam nus em suas tribos, que muitos povos também andavam nus pelas ruas das suas cidades e que nem por isso morriam de frio. Naquele dia, Raul não estava com vontade alguma de colocar roupa no seu corpo. Queria mesmo era ficar nu sentir o friozinho bater nas suas costas e arrepiar seus pelos. Mas como ia andar por aí afora daquele jeito? O que diriam as pessoas? Sabemos que muitas pessoas se preocupam demais com a forma de nos vestirmos. Se você coloca uma camisa de manga comprida num dia de sol todo mundo vai falar que você só deve estar ficando louco. Se por acaso você veste roupas escuras, falam, se veste coloridas demais, falam também. É difícil compreender as pessoas desse jeito.

Ainda tem aquela coisa de homem ter que se vestir diferente de mulher. Homem não pode vestir vestido nem usar tamanco. Mulher não pode vestir isso nem aquilo, senão vai parecer um homem. Aí a pessoa começa a ficar falada e pode até ser maltratada por alheios. O jeito de se vestir de cada um é uma coisa que não devia ser observada por ninguém, cada um devia vestir-se do jeito que gosta.

Ninguém pensa nos pedintes que passam madrugadas adentro sem um cobertor sobre o corpo, e no outro dia continuam vivos. Talvez o que Raul não entendia era que cada pessoa vivia do jeito que tinha sido acostumada, e por isso algumas não aceitavam andar nuas, vestir pouca ou muita roupa. Quando a gente se acostuma com uma coisa ela se torna mais fácil de ser aceita.

Mas vamos ao que Raul aprontou naquela manhã de inverno na sua pequena cidade que tudo podia ser motivo de escândalo. Depois da mãe vestí-lo todinho, ele pegou a mochila e se dirigiu à escola. De repente decidiu mudar o caminho e foi para a praça pública da cidade onde tirou toda a roupa e ficou lá no meio da praça peladinho da silva.

– O que é isso, Raul? Você enlouqueceu? – Perguntou o prefeito que foi logo chamado pelo povo.
– Meu filho, o que está acontecendo com você? – Perguntou a mãe, preocupada.
– Menino, se você fosse um homenzinho poderia ir à cadeia. – Falou o delegado.
– Raul, por que você fez isso? – Perguntou o padre.

E veio autoridade de todos os cantos da cidade. Mas Raul estava lá, no meio da praça, em cima do monumento público, fazendo seu protesto contra as coisas da natureza que o homem insistia em mudar.

– Agora eu vou andar assim. Não sinto vontade de colocar roupa nenhuma no meu corpo. – Disse Raul à multidão que se formou ao redor da praça.
– Mas você não pode andar assim, meu filho. Se pelo menos morasse em outro país ou fosse um indiozinho. – Explicou o padre.
– Como assim, Padre Bento? – Perguntou Raul.

Então, o padre explicou-lhe que ele tinha o direito de escolher o jeito de se vestir, mas não podia mudar os costumes da sociedade em que vivia. Cada um de nós se veste do jeito que deseja, mas às vezes precisamos tomar cuidado para não nos machucarmos ou machucarmos outras pessoas. Um homem que veste saia pode ser muito bem recebido numa determinada região e em outra não, do mesmo jeito aconteceu com Raul, se ele estivesse num lugar onde as pessoas são acostumadas a andarem nuas ninguém teria percebido sua nudez. Os costumes de uma sociedade determinam o jeito das pessoas se vestirem. É claro que algumas sempre fogem às regras.

Depois daquele dia, Raul decidiu que vestiria roupas sim, mas que teria seu próprio jeito de se vestir. A sua mãe não iria mais mexer no seu guarda-roupa. E Raul tinha dias que se vestia de cigano, de camponês, de soldado, de palhaço e muitas outras coisas. Sempre que calçava os sapatos trocava os pares e às vezes saía com um sapato amarelo e outro vermelho. Muita gente olhava para ele e falava de lado, mas não estava nem aí para o que diziam. Sabem, amiguinhos, às vezes precisamos não dá ouvidos ao que falam de nós, principalmente, quando sabemos que não estamos fazendo nada errado nem machucando ninguém. Se nos sentimos bem fazendo determinadas coisas, isso é o que nos importa, que falem de nós assim não nos esquecem.

– Raul, por que você se veste assim? – Perguntou sua amiga Lalá.
– Porque esse é meu jeito de se vestir. – Respondeu Raul que vestia uma camisa de mangas amarela a outra azul e uma calça verde com um sapato branco e outro preto.
– Que jeito mais estranho! Mas se esse é seu jeito de se vestir eu só tenho que aceitar, além do mais gosto de você. – Disse Lalá, sorridente.

Na verdade, para Raul aquela história de roupa era pura invenção do homem civilizado. Mas se tinha que obedecer aos costumes da sua tal sociedade que ela também o aceitasse como era.

– Você não está vestindo quase nada hoje, Raul! – Olhe só para o seu corpo? Enquanto todos nós estamos vestidos até o pescoço deixando de fora apenas o rosto. – A professora espantou-se ao ver Raul.
– É que meu corpo é meu rosto, professora. Eu não preciso de tanta roupa para me sentir bem. Uma camisa e um calção já são suficientes para mim.
– Mas e as suas luvas e os seus sapatos onde estão?
– Não preciso deles. Meus pés e minhas mãos devem ficar nus, assim como ficam também minhas orelhas, meu nariz e minha boca.

Assim Raul nos passa a ideia, amiguinhos, de que devemos nos vestir como queremos e nos sentimos bem. Cada um de nós tem um jeitinho só nosso de se vestir, e não adianta querer agradar aos outros, temos que agradar primeiro a nós mesmos. É claro, respeitando as pessoas que convivem conosco e principalmente os nossos pais.

Exercício para o bom pensar.

1 – O que é uma vestimenta?

2 – Por que nos vestimos?

3 – Por que as vestimentas mudam de um lugar para o outro?

4 – Como você se veste? Por quê?

5 – Por que algumas vestimentas causam estranheza?

Desenhe uma pessoa vestida.

Orientações ao professor.

Caro professor, conte esta história num roda com os seus alunos e aproveite para iniciar um diálogo com eles sobre o hábito de vestir-se. Leve imagens sobre diversos tipos de vestimentas nas diferentes sociedade, explique por que alguns índios andam nus, pergunte o que os seus alunos acham das suas roupas e se eles gostariam de mudar o jeito de se vestir. Se possível, peça para cada um descrever como está vestido com os detalhes da roupa e depois faça uma tarefa para eles desenharem como estão vestidos e o que estão sentindo com aquela roupa do momento.